A conferência propõe discutir as novas formas de subjetivação na atualidade, destacando os desafios do discurso psicanalítico em um contexto em que o Estado perdeu seu papel de referência central no espaço social, substituído pela disseminação da economia neoliberal. A autoridade paterna foi questionada, reatualizando o imaginário da barbárie no espaço social. Nessa perspectiva, o Édipo como referência ética também foi colocado em xeque.
A palestra de Joel Birman, gravada em 13 de agosto em Campinas, integra o programa Invenção do Contemporâneo, promovido pela CPFL Cultura. O diretor Augusto Rodrigues provocou os psicanalistas, especialmente os de orientação lacaniana, a refletirem sobre as transformações trazidas pela globalização e pelas novas formas de subjetivação, questionando como responder à crise atual sem recorrer a formas reacionárias de controle.
Birman inicia destacando que a psicanálise, ao contrário da psicologia tradicional, não separa o indivíduo da sociedade. Freud, em Psicologia das Massas e Análise do Eu (1921), e Lacan, em Função e Campo da Fala e da Linguagem (1953), enfatizam que o inconsciente é transindividual, ou seja, está inserido em um campo simbólico que transcende o indivíduo. Essa imbricação entre sujeito e sociedade é fundamental para entender o mal-estar na civilização, tema central em Freud e retomado por Lacan.
O mal-estar contemporâneo se manifesta de novas formas. Enquanto no modelo clássico da psicanálise o sofrimento derivava de conflitos entre impulsos e interditos, hoje ele se expressa principalmente através do corpo, da ação e dos sentimentos, com um empobrecimento do pensamento e da linguagem. Birman destaca três eixos do mal-estar atual:
Corpo: A saúde tornou-se o "bem supremo", com uma obsessão pelo culto ao corpo e o aumento de patologias psicossomáticas, como a síndrome do pânico.
Ação: Há um crescimento da violência, da agressividade e das compulsões (como consumo e drogas), que funcionam como descargas de intensidades não simbolizadas.
Sentimentos: Depressões e distimias (variações de humor) são predominantes, refletindo uma "dispossessão de si", em que o sujeito perde o domínio sobre sua própria existência.
Birman recorre ao filósofo Giorgio Agamben para caracterizar a contemporaneidade como a disseminação da "vida nua" (mera sobrevivência biológica) em oposição à "vida qualificada" (vinculada a projetos, desejos e utopias). Nesse contexto, a psicanálise se apresenta como uma alternativa à medicalização massiva e aos fundamentalismos, propondo a restauração de uma subjetividade desejante e simbólica.
No debate, Birman responde a perguntas sobre o futuro da psicanálise, a relação entre psiquiatria biológica e psicanálise, e a crise política brasileira. Ele defende que a psicanálise pode ajudar a reconstruir laços sociais em um mundo desamparado, sem nostalgia por figuras de autoridade tradicionais.
A palestra encerra com um convite para a próxima sessão do módulo, com o filósofo Alain Grosrichard, que discutirá Mal-estar na Globalização: Lacan e as Luzes.